‘Sem oportunidade pessoas como nós não chegam’: Claudia Kanoni e sua paixão pela mudança

(Foto: Divulgação Internet)

A vida de Claudia nunca foi fácil. Mulher, negra e de uma família humilde, se apaixonou pela literatura ainda muito jovem. Logo decidiu ampliar seus horizontes, assim  que teve a oportunidade. Metaforicamente e na prática, pois ao entrar no curso de jornalismo, trocou a tranquilidade da adolescência por uma vida de militância na grande capital paranaense. Em entrevista, a escritora, roteirista, comunicadora, jornalista e militante do movimento negro, afirmou que a construção de uma identidade implica necessariamente a incorporação da cultura negra. Para esse propósito, é fundamental o levantamento de um debate nacional sobre o racismo, levando em conta o aspecto estrutural, e suas condutas perante a exclusão da comunidade negra.

São 10 horas e 30 minutos da manhã. O clima de 19 graus parecia ideal para desfrutar de atividades ao ar livre [não foi esse o caso da turma], no Campus de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no bairro Juvevê, onde cerca de 31 pessoas [estudantes] aguardavam a vez para fazer uma pergunta. Diante deles, Claudia Kanoni, 28 anos. Com expressões alegres, seu enredo e testemunhos bem colocados, ela inicia o diálogo com um “bom dia” e menciona que a pouco tempo estava naquele lugar, recebendo fontes para perfilar. 

“Bom dia para todos, todas e todes. Faz muito pouco tempo que eu estava desse lado também, recebendo fontes para para perfilar”, fala. 

Na abertura da prosa, chama a atenção para uma mudança em seu nome e diz que não se apresenta mais com o  nome de batismo, Claudia Santos. “Eu me apresento como Claudia Kanoni, é um sobrenome de origem africana e existe todo um contexto porque eu o escolhi”, explica. Vira e mexe, ela é abordada por pessoas pelo antigo nome, entretanto, esclarece que ainda está no processo de substituição. Logo, voltou sua atenção para os que com ela convivem. “Já estão educados, é o meu nome de batismo simbólico”. O convívio social deixa a jovem à vontade.  

Natural de Una, município localizado a cerca de 368 quilômetros de Salvador, capital da Bahia, aos 18 anos a jovem se mudou para Curitiba, onde estudou jornalismo. Claudia amava sua cidade. Fazia parte de um grupo no combate à desigualdade - com o qual passou a cobrar o sistema social, que não afetam apenas pessoas negras, mas também toda uma sociedade. Tinha uma vida tranquila, até começar a entender o desequilíbrio econômico, social e político. O seu alvorecer ativista deu-se ao lançar seu primeiro livro batizado de ‘Um Grito em Poemas’, ainda no ensino médio, por conta de projetos escolares. Em pouco tempo, ganhou visibilidade local. A publicação cumpriu o papel de empoderar, de criar um empoderamento naquela menina que vinha de uma cidade muito pequena e de uma família que não tinha ninguém na universidade.

“A minha família é de agricultores rurais, então era uma mudança mesmo. Assim eu me senti uma escritora”.

Com esse destaque, Cláudia passou a dar diversas entrevistas para a imprensa e a conhecer personalidades  políticas.  A partir disso começou a entender o que acontecia  em sua cidade, como por exemplo, o alto índice de desemprego. Ao compreender aquilo, passou a reivindicar os direitos do povo. Como consequência fundou o “Movimento Gueto” - grupo que evidenciava a discrepância na sociedade através de peças de teatro, música e literatura. Sendo um coletivo que questionava as relações raciais e injustiças, originou-se um incômodo. “Isso foi muito problemático”.

A única saída era deixar a cidade. “Aos 18 anos eu tive uma conversa com a prefeita da cidade. Ela era uma pessoa extremamente religiosa, então, tudo que ela fazia tinha que ser por oração e Deus tinha que  autorizar para acontecer no município, e em tese o meu projeto não tinha passado ainda pelo crivo divino (a definição é  que as nossas vontades passem pela peneira da vontade de Deus)”, conta na entrevista. É diante disso que Claudia percebe não ser capaz de mudar a estrutura de onde morava. 

A mudança

Ao ir atrás de sua nova morada, cogitou ir para o Rio de Janeiro, mas desistiu por ser muito semelhante à Bahia. Florianópolis era outra opção, mas não chamou muito a sua atenção. Acabou optando por Curitiba, onde Claudia, naquele momento, tinha interesse pela arte, cultura e o clima curitibano.

Não era fácil partir. Ela precisou transferir seus sonhos de juventude para um lugar em que não conhecia nada, nem ninguém. Assim que chegou, conseguiu um emprego. Claudia ficou feliz com o trabalho de Telemarketing, embora o pagamento não fosse tão bom. "Eu adorava ser telemarketing. No primeiro mês  foi fantástico”, lembra.

 Aos onze meses de firma pediu demissão e ingressou na universidade. A trajetória na educação começou em escolas públicas da periferia. Enquanto aluna, criou diversos vínculos para além dos muros da escola - teve bons mentores. Depois como uma jovem, foi em busca do seu diploma - teve oportunidades. Foi nessa fase da universidade que o destino se incumbiu de mostrar para Kanoni como era ser uma mulher preta  em espaços influentemente ocupados por homens  brancos. 

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR) fisgou o acanho institucional quanto a questão social para garantir a permanência estudantil, principalmente daqueles com fragilidades socioeconômicas. Claudia diz que morou na Casa do Estudante Universitário (CEU) e que a grande maioria dos residentes eram contemplados pelas  políticas públicas - ações com o intuito de incluir pessoas em espaços de “poder e privilégio". “Lá dentro a gente conhece várias demandas de saúde mental e outras questões. Eu percebia que a Universidade não conseguia ver isso e não conseguia ver também porque não está no dia a dia do reitor ou da pró-reitora”.

Questionou, então, qual a sua posição como estudante negra numa sociedade racista e compreendeu a luta como resposta. “Assim, eu passei na verdade a fazer uma militância mais focada na permanência estudantil,  nas casas estudantis e no movimento cultural”, contou.  

“Fui a primeira da minha família a entrar na universidade”, diz.  Ao ser questionada sobre ser a primeira de sua família a entrar no ensino superior e público, Cláudia não escondeu a emoção e passou boa parte do relato reflexiva. “Quando a gente entra em uma universidade existe toda uma expectativa em cima. A família acompanha e quer saber”. 

Para os leigos, cursar uma graduação irá proporcionar uma mudança de vida, que proporcione emprego com alto salário, regalias e ser alguém na vida. Muitos entram com esse objetivo, é justo, mas podem ser ocasionadas determinadas frustrações. Claudia tinha uma paixão pela mudança. “Eu precisava de migração de classe, eu precisava de estabilidade financeira, precisava que a minha família tivesse possibilidade de escolher”, declara.

No fundo a essência sempre foi a transformação. Ao entender que não era o dinheiro, e sim uma transformação, ela pode ver os  instrumentos que possibilitaram com que se  manifestasse ao mundo, como uma  poesia.

Claudia, visivelmente, é adotada pelo deleite ao representar seu nome recente. Ela descreve a sua experiência no caminho das relações raciais, do preconceito e do continente africano. Por sugestão de uma editora, resolveu pesquisar um nome de “guerra”. “Eu encontrei só um nome, li um livro inteiro e só encontrei um nome que eu me identificava”. Que foi o Kanoni, é um nome forte, com um significado afetuoso, muito lírico - diz respeito a um pequeno pássaro.  

“Tem muito dessa coisa da bandeirabilidade.  Você se permitir ser vulnerável,  tem uma força na vulnerabilidade. Um pequeno pássaro voa, um pequeno pássaro consegue migrar de um lugar para outro e, eu particularmente gosto muito da ideia da mudança, ela me atiça, é poético, mas sem perder a ideia da vulnerabilidade”.


Por Felipe Reis


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